sábado, 2 de julho de 2016

                                                                     Completas


Todos já sabiam, mas encarar sua família depois de um casamento daqueles, seria, no mínimo, desconfortável. Ana e Tati se casaram em dezembro. Com os pés descalços na areia da praia, molharam juntas, nas águas do mar, a barra dos lindos e leves vestidos brancos. Estavam decididas que seria assim... embora Ana preferisse um terno - essa parte não poderia deixar de falar! Passaram uma lua de mel graciosa em cima de um colchão rodeado de velas e flores. Calme, não derrubaram vela alguma, não houve incêndio nesse sentido. Incendiaram-se de excitação, prazer e orgasmos. Estavam, enfim, casadas! Depois de cinco dias de muito amor, Tati não via a hora de abrir cada presente que os amigos lhes enviaram. Chegando em casa, ficou espantada com a beleza de um ambiente aconchegante que Ana fez questão de preparar e mostrá-la somente depois da lua de mel. Suas famílias eram tradicionais, mas também já haviam aceitado a união das moças, com exceção de uma pessoa... mãe de Tati. Depois do casamento e de muitas noites na casa nova, vivendo, maravilhosamente uma relação de cumplicidade, eis que chega o dia de Natal. Meio dia, domingo, todos à mesa. Casa dos familiares de Tati. Ali tudo ia tudo bem, mas todos se sentiam meio inseguros de estar bajulando muito o novo casal, por conta de Flávia, mãe de Tati. Era visível que as garotas se sentiam desconfortáveis diante da situação, mas Tati sentia muita vontade de estar ali naquele momento, então compareceram. De alguma forma, ela sentia que, com o tempo, sua mãe iria aceitá-las como de fato deveria. Foi então que, antes de iniciarem a refeição, Flávia se levanta com um ar de reprovação, ergue sua taça e oferece um brinde. Naquelas alturas, como a mãe nunca havia tomado esse tipo de iniciativa em nenhum outro dia de natal, Tati imaginou que iria ser humilhada, ou pior, veria seu grande amor ser ofendido diante de todos que ali estavam. Ao olhar para o rosto assustado de Tati, Ana já se preparava para levantar e não causar transtornos. Afinal, sabia que não era bem vinda e estava ali pela esposa. Em um rosto insensível, com movimentos bruscos, Flávia ergue sua taça e abençoa a união do novo casal. Naquele momento, Tati não se mexe, do mesmo modo que todos à mesa. Isso ocorreu por, no mínimo três segundos, porque foi uma grande surpresa para todos. Quando cai em si, o casal se abraça ali mesmo e chora com a emoção de um prêmio divino e grandioso, que apenas de Deus poderia chegar. Mais uma vez ressalta-se que o amor liberta. Que nada nesse mundo é mais convincente que o verdadeiro amor! Estavam enfim, completas!

quinta-feira, 30 de junho de 2016

                        Nunca esquecerei você

Vigésima nona transmissão da estrela GLS, Denise Lee, na Rádio Tesouro Carioca. Ela estava preparada para entrar ao vivo. Era daqueles programas em que o apresentador conversa com alguém na linha e, em seguida, joga uma música romântica no ar. Já na primeira ligação, um grande problema. Uma voz parecendo desorientada é, mesmo assim, passada a ela. A pessoa se apresentava como Rute e se dizia salva por sua voz. Que sua voz era tudo que conseguia lembrar no momento. Tudo indicava que a ouvinte havia passado por um estado de choque ou amnésia. Denise, olhou para o pessoal da produção ameaçando deixar seu posto. Entretanto, com toda autoridade, a equipe a fez sinal para sentar e ouvir a chamada até o fim. Afinal, profissionalismo é importante nessas horas. Rute dizia que estava perdida e que precisava dela para voltar a sua casa, que não tinha ideia de onde estava, que só lembrava da voz de Denise e de seu nome. Por esse motivo, emprestaram-na um telefone celular e ela estava ligando para a rádio, que, por acaso ouviu enquanto passava em um quiosque à beira-mar, e pediu que o garçom anotasse o telefone em um guardanapo. Rute tinha certeza de que Denise poderia ajudá-la. De alguma forma Denise tenta ajudar, fala aos ouvintes que Rute precisa de ajuda para encontrar o caminho para casa, e que, por favor, quem soubesse de alguma informação, ligasse para rádio. Mais uma vez, Rute, com uma voz meio desvairada, diz ao telefone, que apenas Denise poderia ajudá-la. Nesse momento a locutora chama os comerciais e não consegue pensar em mais nada. Fica brava com a produção pela situação e rasga o roteiro da manhã, dizendo que não entraria mais no estúdio. Denise Lee vira mesmo uma fera. Vai até o banheiro, joga uma água no rosto, olha para o próprio reflexo e uma voz em sua consciência grita como o despertar matinal de um celular, RUTEEEEEEEE! Ela não se contem. Volta para o ar. Pega o roteiro todo rasgado para continuar o programa, mas Rute não liga mais. Pelo escândalo exacerbado que fez diante de sua equipe, por causa da situação, não queria ter que pedir o número que ficara gravado na caixa de entrada do telefone da rádio, o qual seria o número do celular emprestado que Rute ligou. E se ela não estivesse mais perto desse celular? O que Denise faria? Apresentou desesperadamente o programa naquela manhã. E Rute não tornou a ligar. Quando faltavam exatamente 5 minutos para que acabasse o programa, ela esqueceu sua conduta, reputação, profissionalismo, prestígio e, principalmente, diante de sua equipe naquele dia, todo seu orgulho, e disse:

_ Rute, eu sei que você pode estar me ouvindo de algum lugar nesse momento. Ou de repente, alguém que viu uma menina morena - Rute, eu não sei se você ainda é morena – riu entre lágrimas – Cuidem dela que eu estou chegando. Ela é muito importante para mim. Sempre será. Rute, como pude esquecer de sua voz?... como pude esquecer de quem prometeu, que mesmo que um dia tivesse uma amnésia, nunca esqueceria de mim!? Eu estou tão envergonhada. Passou um filme em minha cabeça agora. E me faltam 3 minutos para acabar isso aqui e dizer tudo que preciso dizer, mas não vai dar tempo, eu sei... Então eu vou buscar você onde estiver! Eu prometo! Quem ouviu esse programa desde o início hoje, ouviu Rute ligando para cá. Cuidem dela para mim, que estou chegando. Liguem para Rádio. Ela foi meu primeiro amor e será para sempre o amor da minha vida. Porque, como prometeu, nunca me esqueceu.

quarta-feira, 29 de junho de 2016

                         ela com ela


Elas nem haviam se encontrado, quando choravam em seus quartos. Nem sabiam, que naquele mesmo dia, suas vidas mudariam completamente e de uma vez por todas. Porque quando duas pessoas que se necessitam, enfim, se encontram, tudo muda! Com elas não poderia ser diferente. Naquele dia, o pai de Natasha havia morrido em um acidente trágico e o patrão de Carolina também. Sim, era a mesma pessoa. No mórbido velório, parentes choravam inconsolados. A loja de artigos de caça e pesca não teria mais a mesma imponência sem aquele homem de conhecimento apurado. Natasha queria pular no pescoço gélido do pai e dizer tudo que havia travado em seu peito, pelo jeito que herdara do tal... mas a única coisa que conseguiu fazer, foi sair correndo dali e sentar embaixo de uma árvore próxima ao local para chorar. Perto dali, Carolina fumava um cigarro. Ouviu o choro desesperado de Natasha e resolveu se aproximar. Nada falou, mas a fumaça do cigarro fez com que Natasha levantasse a cabeça. Entre o clarão do céu não conseguia definir ao certo o rosto feminino que lhe trazia o que precisava no momento: o precioso calmante invocador da lenta morte... um cigarro. Pediu um à moça, que sentou ao seu lado e lamentou à morte de Nilson, seu patrão. Natasha olhou para ela com espanto, mas nada comentou a respeito de seu pai. Continuou fumando em silêncio. Carol não conseguiu tirar seus olhos da moça, sentiu imediatamente uma empatia profunda. Quem seria aquela garota branca com cabelos tão negros? Tão triste e tão bela - pensou. Em um determinado momento, o cigarro de Natasha acabou. Não contente, dessa vez, ela olha nos olhos de Carolina e pede outro, mas não se contém em um choro agonizante de tristeza. Carolina abraça a garota e a conforta com o máximo de si. Então lê no pescoço de Natasha, Nilson e Lara. Logo relacionou ao nome de seu patrão e esposa. Mais intensamente ela oferece seu afeto a Natasha e, mais que isso... Natasha aperta Carol contra si e com força. Com ânsia. Esse dia foi triste, foi inesquecível e as duas nunca mais foram as mesmas. Durante a noite toda, Carolina ficou com Natasha debaixo daquela árvore. Elas cantaram, conversaram, se emocionaram e se beijaram... Esse beijo foi um momento em que marcou a morte e o nascimento. A morte de um amor eterno e o nascimento de outro. As duas perceberam que perderam juntas: uma o emprego, outra o pai. Entretanto, ganharam um grande amor. Embaixo daquela árvore, um cigarro, assassino silencioso, marcou o nascimento de um romance que hoje dá espaço a um lar cheio de sintonia. Elas não demoraram muito tempo para perceberem que conseguiriam juntas gerir os negócios do pai e patrão, pois uma tinha a posse, outra o conhecimento. Não demoraram muito para perceber que estariam para sempre juntas. Não demoraram para entender, que a vida continua e que o amor sempre foi o culpado por sua união.